segunda-feira, 9 de junho de 2008

Escuta o som que vem do riacho.

Escuta-se, pelas janelas caiadas de branco e carmesim, o som do sol caindo entre o ciciar dos pinheiros. Sente-se a terra a revolver-se, fluida, entre mantos e mantos de magma flamejante, rios surdos correndo por entre os vales e montanhas das fronteiras telúricas. E, por cima da seda arenítica coberta pelas ervas que crescem lentamente, sentem-se as correntes do vento e o cantar dos pássaros, das andorinhas que voltam certas, como as flores que cobrem, certamente, as oliveiras estendidas pelos solos distantes, e as amendoeiras que nascem por entre as colinas das Serras , entrecortadas pelos arroios esquecidos e pelas sombras do entardecer.
E eles caminham, calmamente, com a sabedoria de quem não esqueceu o passado e a quem não aflige o futuro, aproveitando a brisa da tarde, por entre a melodia que se escapa do anoitecer e do Sol que brilha com esplendor.
E são felizes, pois sabem que viver é viver.

E nós também caminhamos, ou queremos caminhar.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Alguns Sonhos.

Todos temos sonhos escondidos, que se escapam por entre os dedos como as cinzas do nascer da aurora.
Sonhos que ardem, tresmalhando-se aos poucos por entre os raios de sol ou a chuva tímida que banha, como orvalho, o despertar estremunhado por entre o som de uma nova manhã apressada.
Guardamo-los todos os dias entre os olhos, por entre os lábios, em sussurros inaudíveis. E vivemos todos os dias com esses sonhos entalhados na consciência.

E há quem os tenha e há quem os crie e há quem os viva.

Todos somos animais. Desde a primeira célula viva, dotada de animação e de capacidade de se reproduzir, até à complexa simbiose celular que nós somos, passaram milhões de anos.
Anos em que, por necessidade ambiental e selecção natural, as células se foram desenvolvendo através de mortes e cooperações. Até nos formarem, várias foram as espécies que morreram (Quase todas as espécies morreram.)
E cada um de nós está aqui por um golpe de sorte. Mas também por vigor.

Fomos construídos pelo tempo , pelo meio e pela urgência de viver , como castelos andantes , pensantes e sensíveis a cada desejo que nos percorre o corpo e vagabundeia pela mente .

E agora que sabem de onde vieram, sabem porque é que vieram?
Por nada.
Razão nenhuma.
A vida não tem um sentido absoluto, não tem razão exterior.
Mas tem razão interior. Cada sonho de cada um. O que consideramos essencial:

Família,
Prazer,
Sucesso,
Amor,
Liberdade,
Desejo
Fraternidade.

E ainda bem que não há razão exterior nem objectivo que sejamos obrigados a completar. Isso permite-nos escolher os nossos. Permite-nos viver de consciência tranquila e com um sorriso nos lábios, sem temer os castigos eternos.
Aceitar o que realmente é e aceitar o que não sabemos, é, assim, bem melhor que inventar desculpas e justificações mal formadas.

Portanto não se preocupem. Vivam e deixem viver. Desfrutem, pois só estamos cá uma vez, e, bem vistas as coisas, até é agradável.
E façam os outros desfrutar.

É isto que têm em comum os sonhos da Humanidade.

Sonho de um dia de Verão

Recortamos o Sol por entre as nuvens, ao entardecer.
Enquanto a cidade caminha lentamente, observamos a luz que desmaia, iluminando a poeira que baila por entre os entalhes do ar.
É um daqueles dias em que se vence a chuva e se volta a imaginar o Sol na sua verdadeira imponência, uma esfera em fogo, enérgica e dinâmica, revolvendo-se e queimando-se interminavelmente.
Em que se volta a imaginar as reacções no núcleo, transformando a matéria e libertando toda a energia que nos domina.

E nos maravilhamos com o que existe.
E nos voltamos a maravilhar com o que realmente existe.


E enquanto vagueamos por entre a luz derramada, talvez sentados num banco ,com a brisa que nos anima, ou à beira da corrente de um rio que se enleia por entre as pedras e o cheiro a maresia, sentimos o que realmente somos, e isso enche-nos com a calma , os sonhos e o prazer que se esconde por detrás das preocupações.
E sabemos que não precisamos de mais do que o que existe e o que é, e que o mundo, todo o espaço universal, não tem propósito, nem consciência, mas faz sentido e é belo.


E entendemos que perceber o que existe é adorar o que existe, e que todas as explicações reais são melhores que as inventadas. Percebemos que o Sol ser o que é o Sol não lhe tira imponência nem poder, e que o Homem ser o que é o Homem, não ser o fim nem o centro de nada , não nos tira a importância que sentimos.

E que estar tudo ao nosso alcance nos dá o poder de mudar o mundo.

Continuamos a
Recortar o Sol, ao entardecer,
por entre o deslizar das palavras.

Adeus a Deus

Rejubilai irmãos:
acabou-se o medo.

Escutai , Escutai:
morreram os deuses.
Morreram os deuses
nos corações do Homem

Caíram as crenças
as vestes sacerdotais e
as místicas falidas.

Caiu o pecado
em pó e vento e cinzas.

Caiu o medo
e o pesadelo.

E caíram as esperanças
nas mãos dos Homens.

Desceram do céu.
E caíram aqui

Porque sempre foram nossas
e não de um deus imaginário.

Foi sempre nosso o poder
de mudar o mundo.

E de viver enquanto existimos.

Porque viver enquanto mortos
é uma impossibilidade científica.
Inventada para aqueles que têm medo
de agarrar o dia e acariciá-lo com as mãos suadas.